Em sua obra Ação Humana de 1949, nas páginas 748 e 749, Ludwig von Mises aborda o problema dos bens públicos:
"Se a terra não tem dono, embora o formalismo jurídico possa qualificá-la de propriedade pública, as pessoas utilizam-na sem se importar com os inconvenientes de uma exploração predatória. Quem tiver condições de usufruir de suas vantagens – a madeira e a caça dos bosques, os peixes das extensões aquáticas e os depósitos minerais do subsolo – não se preocupará com os efeitos posteriores decorrentes do modo de exploração. Para essas pessoas, a erosão do solo, o esgotamento dos recursos exauríveis e qualquer outra redução da possibilidade de utilização futura são custos externos, não considerados nos cálculos pessoais de receita e despesa. Cortarão as árvores sem qualquer consideração para com as que ainda estão verdes ou para com o reflorestamento. Ao caçar e pescar não hesitarão em empregar métodos contrários à preservação das reservas de caça e pesca. Nos primórdios da civilização, quando ainda havia abundância de terras de qualidade não inferior à já utilizada, o uso de métodos predatórios era corrente. Quando a produtividade diminuía, o lavrador abandonava sua terra e se mudava para outro lugar. Só mais tarde, à medida que a população crescia e não havia mais disponibilidade de terra virgem de primeira classe, as pessoas começaram a considerar tais métodos predatórios um desperdício. Consolidava-se assim a instituição da propriedade privada da terra; a princípio, nas terras aráveis, e depois, passo a passo, estendendo-se aos pastos, às florestas, aos pesqueiros. As novas colônias de ultramar, especialmente os vastos espaços dos Estados Unidos, cujas fantásticas potencialidades agrícolas estavam praticamente intactas, quando lá chegaram os primeiros colonizadores, passaram pelos mesmos estágios. Até as últimas décadas do século XIX havia sempre uma zona geográfica aberta aos recém-chegados: a fronteira. Nem a existência dessas regiões inexploradas, nem o seu desaparecimento são peculiares à América. O que caracteriza as condições americanas é o fato de que, ao esgotarem-se as terras inexploradas, fatores institucionais e ideológicos impediram que os métodos de utilização da terra se ajustassem à nova circunstância.
Nas áreas centrais e ocidentais da Europa continental, onde a instituição da propriedade privada já estava firmemente estabelecida há muitos séculos, as coisas foram diferentes. Não houve erosão de solos já cultivados. Não houve devastação de florestas, apesar do fato de as florestas particulares terem sido, durante gerações, a única fonte de madeira para construção e mineração, e de combustível para as fundições e os fornos, para as cerâmicas e para as fábricas de vidro. Os proprietários dessas florestas foram impelidos a conservá-las movidos pelos seus próprios interesses egoístas. Nas áreas mais densamente habitadas e industrializadas, até alguns anos atrás, entre um quinto e um terço da superfície era ocupado por florestas de primeira classe administradas segundo os melhores métodos da tecnologia florestal."
Agora relembre de alguma tragédia causada pelo homem no meio ambiente. Pode ser o rompimento da barragem em Mariana e Brumadinho, o vazamento de petróleo no Golfo do México, ou qualquer outra situação onde uma pessoa, física ou jurídica, destruiu ou poluiu uma região, causando severos danos e mesmo mortes para todos que moravam no entorno. Qual é ponto em comum que liga todas essas tragédias? O responsável pelo dano não era proprietário da área destruída.
Nos casos da Deepwater Horizon e da Vale, mesmo sendo áreas exploradas por empresas privadas, as áreas não eram de sua propriedade. Eram concessões do governo, que permitiam a exploração desses lugares por um prazo definido. E isso não é um bom incentivo.
Quando você não é dono de determinada área, mas tem apenas licença para explorar por um prazo definido, o seu incentivo é extrair a maior quantidade de riqueza possível daquela área antes que sua licença expire. Não existe preocupação com o que acontecerá depois que a exploração terminar, já que aquela propriedade não é sua, e você não terá mais nenhuma responsabilidade do que vai acontecer quando sair de lá. Com prazo definido para explorar e sem responsabilidade pelas consequências do que irá acontecer quando sair de lá, as empresas tem incentivo para burlar normas, pagar propinas para fiscais, não investir em medidas de segurança, não pagar seguros. Como ficou claro no caso da Vale em Brumadinho, valeu mais a pena para a empresa correr o risco de uma catástrofe acontecer do que gastar em medidas de segurança, em técnicas melhores de engenharia para acumular os rejeitos da mina.
Caso as empresas fossem donas dessas áreas que exploram, seus incentivos seriam outros. Por serem realmente proprietárias das minas e poços de petróleo, elas não teriam um prazo definido para atuar, tendo incentivo para explorar a área com mais parcimônia, sem correr o risco de destruir a sua propriedade. Afinal, quem destruiria uma propriedade que lhe pertence? Seria o mesmo que tocar fogo no dinheiro que tem. Você rasga dinheiro? Acredito que não. Empresas também são feitas de pessoas, e pessoas não fazem isso. Elas investem, produzem, vendem, justamente para fazer mais dinheiro, não para destruir sua propriedade. Em todos os casos de desastre ambiental, o que acontece é que elas não destroem sua propriedade, mas sim propriedade alheia.
O mesmo vale para florestas, matas, praias. O primeiro pensamento das pessoas quando se fala em vender essas áreas é de que as empresas destruiriam tudo. Mas oras, se essas áreas são tao ricas em ativos, em fauna e flora que podem ser comercializadas e exploradas por um bom preço, por que elas iriam destruir o que tem? Isso simplesmente não faz sentido.
Quando essas empresas destroem áreas públicas, elas simplesmente destroem o que não tinha dono. Voltem ao texto de Mises: o que é de todo mundo não é de ninguém. O estado até pode processar, multar e condenar essas empresas, mas como ele vai ter uma real noção do prejuízo para pleitear uma indenização da empresa causadora do dano, se essas áreas simplesmente não tem preço? Quanto custa um hectare de oceano ou de mata? Um dólar? Um milhão de dólares? Ninguém tem uma resposta para essa pergunta. Essas áreas não estão no mercado, e por isso não se faz ideia de quanto elas realmente valem, afinal, não existem agentes do mercado precificando essas propriedades.
Em uma situação onde todas as propriedades tivessem um dono de fato, as ocorrências desses desastres ambientais seriam minoradas, e ocorreriam apenas as fatalidades, aqueles fatos que realmente não tem como ser previstos. Ninguém quer ver suas propriedades destruídas por sua própria incompetência, e ainda ser obrigado a indenizar milhares de pessoas que tiveram suas propriedades afetadas pelo desastre. Isso custaria muito caro, já que todas essas propriedades seriam facilmente valoradas por estarem sujeitas ao mercado.