Os seguros como ferramentas regulatórias
O mercado de seguros é o que vejo como mais eficiente para regular as atividades empresariais. Esqueça aquelas dezenas de alvarás, autorizações, licenças e relatórios para colocar uma empresa em funcionamento. Bastaria uma simples apólice de seguro de risco total, devidamente válida, para permitir o funcionamento de uma empresa, seja ela uma barbearia de garagem ou uma petrolífera multinacional.
Novamente, é uma questão de incentivos.
Vou explicar melhor. Em seu livro Arriscando a Própria Pele, Nassim Nicholas Taleb ensina que devemos ficar sempre atentos se os discursos das pessoas e empresas são condizentes com as ações que elas praticam. Será que aquele especialista em investimentos aplica nas ações que ele indica? Será que o médico toma aquele medicamento que receita? Será que o apresentador de televisão também usa aqueles produtos que anuncia em seu programa? Isso o autor chama de colocar a pele em risco, ou seja, estar sujeito às consequências daquilo que a pessoa indica que os outros façam.
Caso as empresas fossem autorizadas a iniciar suas atividades mediante uma apólice de risco total, seria exatamente isso que as seguradoras fariam: colocariam sua pele em risco. Ao emitir a apólice, ela entende que as condições de segurança na empresa são satisfatórias, afinal, ela não quer ser obrigada a desembolsar uma fortuna em indenizações caso a empresa segurada cause um problema. Ela quer justamente o contrário: não ter que gastar nada, somente receber o valor do prêmio contratado, pago pela segurada. A seguradora tem incentivos para fiscalizar, inspecionar e mesmo paralisar as atividades da empresa caso ela apresente riscos, afinal, em caso de acidente, ela vai precisar gastar um belo montante para cobrir os problemas.
Caso a empresa não resolvesse os problemas, a seguradora poderia simplesmente cancelar a apólice, o que automaticamente cancelaria a licença de atividade daquele empreendimento.
Empresas que possuíssem muitos riscos em sua operação, que resultam em uma apólice cara, procurariam se instalar em lugares onde os danos causados por algum eventual acidente seriam menores.
Um questionamento válido é se não teríamos uma corrupção das seguradoras por empresas de grande porte. Novamente, vamos falar de incentivos. Caso a seguradora conceda uma apólice para uma empresa que não emprega todas as medidas de segurança, ela está assumindo o risco de precisar quitar indenizações altíssimas em caso de acidente. Não conheço empresa que queira queimar dinheiro, e com seguradoras não seria diferente. Os riscos são muito desproporcionais aos ganhos.
Há quem defenda que a burocracia estatal é necessária, já que o responsável técnico de um projeto, bem como a seguradora, podem construir ou operar alguma propriedade com erros, falta de técnica, trazendo prejuízo para a coletividade ao redor. Entendo o argumento, mas discordo. Quanto mais instâncias é necessário passar um projeto, menor é a importância que o projetista dá a boa técnica, afinal, ele sabe que haverá uma, duas, ou até mais pessoas que irão revisar aquele projeto, evitando que erros sejam cometidos. E mesmo que os erros não sejam corrigidos pelas instâncias burocráticas, ele pode alegar que, já que tais órgãos aprovaram o projeto, estavam de acordo com o que ali constava, literalmente lavando as mãos sobre seus erros.
Na situação que proponho, onde apenas a seguradora dará ou não o aval para uma construção ou operação, a responsabilidade do projetista é muito maior. Em caso de erro, a seguradora não autorizará a apólice, impedindo o desenvolvimento e o pleno funcionamento daquela atividade.
Vou dar um exemplo real, de um ramo que conheço bem, que é o mercado imobiliário: para construir um loteamento residencial, o proprietário precisa aprovar o projeto de tal obra em diferentes órgãos, como prefeitura, agências reguladoras, às vezes no estado, concessionária de água e esgoto, de energia, etc. Tudo isso seria facilitado com a aquisição de um seguro de cobertura total para o empreendimento. A seguradora tem incentivos para cobrar boas práticas da construtora do empreendimento, tanto em conforto, qualidade construtiva, como em segurança, limpeza, higiene, meio ambiente e poluição. Afinal, ela não quer precisar indenizar ninguém por danos causados pelo empreendimento por ela segurado.